30 de abr. de 2024

Conheço os calçados de todos os meus colegas de faculdade

    É bem estranho começar uma postagem com esse título, mas ela infelizmente faz sentido.

    Como todos que vivem aparecendo aqui já sabem: eu sou autista. Autistas em grau 2 com o meu costumam ter crises e eu quando tenho crises geralmente sento no chão e fico um pouco paralisada chorando. Logo chego onde quero chegar...

    Eu tive muitos problemas na vida e acabei por isso "ficando para trás" no quesito profissional e educacional. Sempre tive o sonho de cursar veterinária (e nem vou entrar no assunto do porque não fiz antes já que isso me magoa muito) e agora estou buscando realizar esse objetivo.


    Na minha primeira tentativa, fui tratada extremamente mal. Voltei esse ano para realmente concluir o curso. Entrei um pouco “avisada” por mim que poderia ser tratada mal novamente (não vou dizer preparada porque é impossível se preparar para surpresas) e mesmo assim decidi insistir ao máximo para sair com meu diploma.

    Sou uma das alunas mais velhas da sala, mas aparento ter por volta de 20 anos, então até aí estava tudo certo. Percebi claramente que todas as pessoas que me perguntaram minha idade primeiro achavam que eu tinha 22 (será que alguém disse isso por aí? Todos falaram o mesmo número) e depois quando eu dizia que tenho 37 essas mesmas pessoas se afastam fisicamente aos poucos e deixavam de falar comigo. Uma delas ainda disse “A Fulana também é assim bem velha”. Bem velha… Me pergunto com que idade você se planejou para morrer dizendo isso. A idade não parece problema para ter amizade com os professores, além de serem de uma geração mais próxima da minha são mais maduros e não tem esses preconceitos. Eles têm sido meus únicos reais colegas em sala.

    Se bem que nem todos os professores são maduros… Comentei com uma professora que sou autista e entreguei esse bilhete discretamente:



    E ela gritou me expondo exatamente como pedi para que não fizesse. Fazia tempo que eu não sentia algo tão ruim por alguém que acabei de conhecer.

    Percebo que muitas das pessoas não levam a sério o fato de eu ser autista e não sei se é por eu estar na faculdade ou simplesmente por saber me comunicar, mas elas sempre que podem me provocam fazendo as coisas que aviso para não fazerem comigo. Isso é extremamente irritante. Eu não sou assim porque quero e muito menos consigo mudar. Acham que não passo a vida toda tentando me adaptar?

    Não sei se esse é o quesito maturidade ou futilidade, mas percebo também que sou excluída dos grupos simplesmente por usar roupas velhas e não falar nada sobre moda ou comprar roupas. Essa semana meu sapato até estourou enquanto eu estava indo para a aula. Vocês não sabem a dificuldade que pessoas autistas têm com coisas novas. Minha lapiseira de mais de 20 anos tinha quebrado no meio de uma prova e pareceu que o mundo havia acabado para mim, ainda bem que consegui colar e estou novamente usando.


    Isso me lembra um maravilhoso episódio do desenho Big Mouth. Se tem problemas com palavrões e obscenidades não veja, mas ficou maravilhosa a forma que mostram como isso funciona para um autista:


    Outras pessoas aparentam ter raiva de mim por eu participar das aulas ativamente e responder os professores sempre que fazem questionamentos para a turma. É estranho dizer isso, mas essa é a primeira vez que consigo participar assim da aula e não vou parar. Essas mesmas pessoas depois me procuram querendo minhas anotações, dando indiretas sobre cola em prova ou mesmo para colocar nome em trabalhos comigo que elas não fizeram nada. Se não tenho nem colegas, porque eu deixaria isso? Eu porque eu daria minhas anotações para quem também está dentro da sala de aula? Largue o celular e pegue uma caneta.

    Passei por bastante intolerancia/imposiçao religiosa por parte de funcionários enquanto buscava ajuda, sendo uma delas me respondendo "eu sei" depois de eu ter dito que estava impondo sua crença em mim. O pior é que essa última pessoa me atendeu o tempo inteiro de maneira bem infantil ao ponto de eu sair irritada. Ela falava como se me conhecesse e ainda insistindo em falar coisas religiosas na hora que eu estava indo embora. Quando parei e expliquei para ela que nao respondi a nenhuma de suas provocaçoes religiosas porque sou uma pessoa que tem respeito e nao quer ser como ela ai se desculpou. Não tenho intençao de procura-la novamente e talvez ainda precise.

    Fiz tudo o que podia para avisar professores e alunos sobre a minha condição, entreguei laudos na faculdade e preenchi um documento com todas as coisas que precisaria. De verdade, não vi nada mudar. Uma funcionária lá dentro me perguntou o que fazer comigo quando eu estiver em crise porque nunca tiveram alunos assim. Acho estranho que em uma faculdade que tem o curso de psicologia não tenha ninguém que saiba lidar com uma pessoa autista. Porque eu preenchi aquilo tudo? Só para fazer provas em outra sala?

    Pois é… Fiz provas em uma sala claustrofóbica, abafada, barulhenta e com a mesa tremendo. Em uma das provas tive que mudar de sala duas vezes. Meu desempenho foi péssimo ao meu ver e entrei em crise de tanto barulho enquanto tentava resolver uma questão. Não sei se isso é melhor do que fazer a prova na mesma sala que todos, sinceramente…

    Crises… A última foi do lado de fora da porta da sala e a minha penúltima crise foi na escada da faculdade e teve esse momento ridículo:


    Também foi nessa penúltima crise que conclui o título dessa postagem: eu conheço os calçados de todos os meus colegas de faculdade porque eles passam pelo meu lado enquanto estou sentada no chão e fingem que não me veem.

    Tenho que estudar o dobro de todos para saber a mesma quantidade de coisas. Acabo tentando de todas as formas saber bastante mesmo com dificuldade para ler/falar/calcular e tentar ter algum pequeno destaque que for para ver se os colegas me enxergam como uma boa aluna e não como a pessoa diferente. Meu foco é simplesmente me formar, escrever artigos, trabalhar com animais silvestres e me destacar por ser BOA e não por ser autista. Nunca pedi para nascer assim. Não quero ser aceita pelos outros, quero ser respeitada por igual.

    Estou precisando de ajuda em relação a sobrecarga: quase todos os trabalhos são feitos em grupo e estou fazendo tudo sozinha. Entre 3 e 5 pessoas é tranquilo de resolver, mas fazer TUDO sendo uma só complica muito. Realmente os professores acham que estão me ajudando me dando a chance de fazer sozinha, mas estou sendo mais isolada (se bem que quando fiz com pessoas em grupos ou duplas fiz tudo sozinha e ainda me estressei por ter que colocar o nome de mais gente junto), queria encontrar pessoas que trabalhem em grupo como seu. Não sei nem como fazer isso. Vi uma apresentação de trabalho e gostei demais da forma com que algumas pessoas apresentaram, mas vou simplesmente chegar falando isso e pedir para fazer com elas? Já me acham estranha o bastante… Por me acharem estranha o bastante eu nem sei como chegar nas pessoas “puxando assunto” e as que consegui fazer isso deixaram de falar comigo quando perguntam a idade…

    Nem sei mais o que dizer mas deu para registrar bastante das minhas frustrações. Passei três semanas chorando todos os dias (exceto dois) e fiquei irreconhecível com cara de defunta e as pessoas ainda ficavam amenizando falando que eu estava normal, foram bem poucas as realmente honestas. 

    Não estou feliz.

    Atualizando [08/05/24]: Nunca a frase "engula o choro" fez tanto sentido:


    Depois no privado:


    E ainda aconteceu isso no caminho para a aula... Mesmo pé e calçado diferente:


    E depois isso já dentro da sala:


    Quando vai acabar?

Os comentários foram desativados:

tenho de 70 a 100 visitantes por dia e quase nenhum comentário nas postagens, apenas no meu e-mail. 

Acabei achando a sessão inútil de manter. Contato: JulianaOdeiaCafe@gmail.com