Acho que eu já devia ter feito essa postagem. É bastante comum me procurarem quando caem filhotinhos de ninho e agora de outubro até fevereiro é beeeeem comum onde moramos!
Não esqueça que manter animais da fauna brasileira presos É CRIME, então solte esse bichinho! Sua primeira opção SEMPRE deve ser os locais apropriados para cuidados. Esse guia é apenas para emergências em cidades que não possuem esse tipo de suporte.
Separei aqui alguns cuidados que devem ser tomados nesse momento, corrigindo especialmente alguns pontos apresentados na internet. Vamos em passos:
1 HORÁRIO
1.1 É DIA? ACHE O NINHO!
No caso de ter encontrado o filhotinho durante o dia, a primeira atitude sua deve ser olhar ao redor de onde encontrou e procurar o ninho. Muitas vezes os bebezinhos caem e o ninho está bem ali pertinho. Ai basta o colocar de volta. Essa coisa que a mãe não vai cuidar mais do filhote “por causa do cheiro” é pura mentira. Se for um filhote saudável ela vai agradecer muito por ter o recuperado.
As vezes o ninho está logo ali!
E se não for saudável? Ela vai jogar fora do ninho. É comum que os animais que não vão ter muitas chances de sobreviverem sejam jogados para fora do ninho por seus pais. Eu já cuidei de filhotes cegos que chegaram na vida adulta, mas eles são eternos dependentes. Vai ser sua escolha acolher o filhote com problemas ou não.
Caso haja um filhote desproporcionalmente muito maior no ninho que jogue o pequeno que você colocou de volta para fora, possivelmente ele não é um filho legitimo (esse grandão), muitas aves colocam seus ovos no ninho de outras aves e os filhotes que nascem já tem o instinto de se livrarem dos outros para ter atenção total. A espécie mais comum que faz isso no Brasil é o chupim (Molothrus bonariensis) e o mais conhecido é o cuco-canoro (Cuculus canorus). Nesse caso nem adianta insistir em colocar o bebe de volta. Teremos outras opções no item 4.
Chupim (Molothrus bonariensis): todos esses lindos nasceram no ninho dos outros!
1.1.1 Ainda não achou o ninho
O filhote pode ser colocado em um local seguro como uma caixa baixa aberta. Ele vai emitir sons para ser encontrado. Observe de longe se existem adultos indo nessa caixa para o alimentar. Em caso positivo, você achou os pais da criança!
Agora pode amarrar uma vasilha (vasos com furinhos funcionam muito bem, assim como potes de isopor furados para não acumular água) no alto de uma árvore ou algum outro local alto para que os pais continuem cuidando dele. Os pais não vão abandonar o filhote por estar em um local que não seja o ninho e vão cuidar do ninho original e da vasilha que você colocou.
Furando pote de marmita bem limpo
Forrando
Colocando o filhote e levando para o local
Pote amarrado na mesma árvore que está o ninho original do filhote. Os pais vão cuidar ali agora.
1.1.2 Achou o ninho mas ele está em local muito alto
Repita o item 1.1.1 mas bem perto do ninho original.
1.1.3 Não achou o ninho e nem os pais
Se ainda é dia e não encontrou nada. Você pode levar esse filhote para o zoológico, CETAS ou para mim caso nos conheçamos. Muitos dos zoológicos têm tratamento especial de reintrodução para espécies nativas, os CETAS são os Centros de Triagem de Animais Silvestres (meu sonho depois da faculdade) que funcionam exatamente tratando e reintroduzindo animais na natureza e eu vou tentar a mesma coisa antes de partir para os cuidados e reintrodução caseiros. Caso não saiba onde estão esses locais na sua cidade basta procurar no Google.
1.2 NOITE
Se for noite, nesse caso você vai precisar verificar se o animal comeu. Bem na frente dele haverá uma bolsa logo no peito caso ele tenha comido recentemente. Se essa bolsa não estiver ali o animal possivelmente estará com fome.
Nesse momento é muito importante identificar a espécie da ave. Caso não tenha conhecimento necessário para isso, observe o formato do bico e terá uma boa ideia de qual a alimentação correta.
É comum no Brasil encontrar filhotes com um desses dois formatos de bico:
Bico reto x bico curvo
Lembrando que existem muitos outros formatos! Mas vamos focar nesses dois mais comuns: o primeiro vai alimentar-se de uma papinha especifica que sempre indico (não estou ganhando para propaganda obviamente) da Alcon:
E o segundo da mesma papinha mas versão para psitacídeos:
2 ALIMENTAÇÃO
Conseguindo fazer essa distinção é só preparar a papinha de acordo com as instruções no rótulo. Sirva o alimento em uma seringa limpa e sem agulha. A seringa deve ser lavada a cada uso e o restante da papinha jogado fora. O bichinho pode demorar para pegar a comida, não force ele a abrir a boca (isso pode o machucar seriamente). Vá colocando um pouco da papinha perto da abertura do bico pelos cantos até que entre naturalmente um pouco e ele prove, assim o filhote vai querer o alimento quando estiver com fome.
Hora da papinha
Ao alimentar, aperte a seringa BEM de leve. Cuide para não engasgar a ave, faça pausas para ele respirar. A quantidade de comida inicial vai ser definida pelo próprio filhote que vai parar de comer e ir dormir assim que estiver satisfeito. Nesse momento você vai poder observar o “papo” (aquela espécie de bolsa) na frente do peito dele bem cheio. Agora deixe o pequeno dormir e volte apenas duas horas depois.
Papo cheio após comer. É a parte "bolinha" sem penas aparecendo logo abaixo da cabeça.
Em geral os bebês comem das 5 da manhã até as 18 horas de duas em duas horas. Filhotes muito pequenos somente comem e dormem, não estranhe a falta de energia.
Uma observação bem importante é JAMAIS DAR LEITE! Tem pessoas que indicam, filmes que mostram isso e não existe nada mais tóxico e errado que dar leite para uma ave. Leite é o alimento dos filhotes de mamíferos e só! Aves não digerem leite e nem mesmo bebem leite na natureza. Não faça bizarrices!
Essa demorou para largar a papinha!
Com o passar do tempo seu filhote vai querer que o alimento seja menos diluído em água e você pode começar a introduzir alguns insetos previamente mortos. Indico formigas e pequenas mariposas por dar a segurança de não serem tóxicos. É muito importante fazer a mudança da comida com o tempo para que ele possa aprender a comer sozinho depois! Existem filhotes eternamente dependentes de alimentação manual por não terem feito essa transição corretamente.
Essa é uma seringa de medicação, mas existem específicas para alimentar aves no mercado.
Não esqueça de limpar o bico do bichinho depois de se alimentar com papinha, pois ela seca e vai ficando uma meleca endurecida. Pode usar um cotonete, algodão ou mesmo o papel toalha de leve.
Comida emergencial: se não tem onde comprar o alimento neste exato momento, você pode dar fruta amassada (bico 2), ração de cão misturada com água morna (bico 1 ou 2) ou mesmo alguns insetos que encontrar (bico 1). Assim que puder vá comprar a comida adequada e não o alimente mais assim até ele ter a idade adequada para tais alimentos!
3 SONO E AMBIENTE
Arrume uma caixinha para o filhote caso ele não tenha penas. Caso seja mais desenvolvido (com penas) é melhor deixar passar a noite em uma gaiola para evitar se bater nas paredes durante a noite. Coloque um poleiro e o bote nele dentro da gaiola, os maiorzinhos gostam de dormir assim. Se observar que ele consegue subir em coisas e planar já pode soltá-lo que ele realmente vai sobreviver sozinho e terminar de aprender a voar.
Exemplo de ambiente na caixinha
Na caixa, colocar papel toalha ou paninhos que você possa trocar sempre que estiver muito cheio de fezes e um poleiro para ele treinar a força nas pernas e equilíbrio. Agora cubra o local onde ele está ou o coloque no escuro. Aves filhotes não tem noção do dia e noite se não for pela claridade e assim ele vai continuar pedindo comida como se fosse de dia.
Durante a manhã repita o item 1.
4 NÃO ACHEI OS PAIS E NEM LOCAL PARA DEIXAR
Agora todos os dias você vai acordar às 5 da manhã. Com o tempo ele vai se acostumar com você e já vocalizar quando o ver. Vai repetir o item 2 todos os dias.
Com o tempo seu filhote vai ganhar mais penas, a papinha será menos diluída em água e todos os dias desde o primeiro ele vai ficar num local onde possa ver outras aves comendo e interagindo. Essa interação ajudará o filhote a aprender a comer sozinho. Deixe sementes, frutas, insetos mortos e água ao alcance do filhote numa gaiola e deixe também do lado de fora da gaiola para ele ver outras aves se alimentando e agindo normalmente. Por observação ele vai aprender.
Ambiente aberto para o filhote ver outras aves se alimentando e ir embora quando se sentir seguro. Este tipo de ambiente também permite a visita dos pais caso o filhote seja encontrado.
De vez em quando olhe as asas do filhote. Quando tiverem penas e deixarem de ser tão arredondadas e curtas ele estará pronto para voar. O interessante é deixar ele sempre solto caso more em uma casa para que ele possa escolher tentar planar e ir embora após ter penas.
5 VOO
Caso a ave já tenha penas completas, ele vai tentar voar. É interessante o soltar em um cômodo fechado e observar sua reação: se ele vai tentar subir em locais altos, bater as asas ou apenas andar pelo chão sem tentar pular. Os pulos são o início do voo. Muitos vão tentar subir em locais cada vez mais altos usando um pouco as asas para impulso.
Asas curtas e arredondadas: ainda não voa, mas já pode planar e se virar sozinho: teste!
Cuide muito para ele não bater nas paredes! Caso o animal esteja muito agitado e se bata nas paredes é porque ele já sabe voar ou planar! Caso ele já se alimente sozinho basta o soltar! Se ele subir em locais altos também já pode ser solto, pois ele vai aprender a terminar de voar na natureza.
Asas pontudas: mais do que pronto para voar
6 DESPEDIDA
Agora você pode colocar a gaiola dele na com a porta aberta no local que ele vê as outras aves. Pode ser que ele fique em cima da gaiola interagindo com elas e a noite volte para dormir no poleiro durante algumas semanas. Se isso acontecer feche a gaiola durante a noite para evitar predadores e abra assim que a ave acordar de manhã.
Gaiola aberta: agora a escolha é dele
Ele pode um dia não dormir mais na gaiola e voltar todos os dias para comer na sua casa. Nesse caso é bem importante manter comida para as aves de rua durante alguns meses para que ele tenha um local seguro para comer enquanto aprende a procurar seu próprio alimento.
