Meu velhinho, molequinho e amigão.
Ainda lembro das noites que eu voltava da aula e um preto doidão pulava o muro de onde dormia para correr em minha direção, me receber e conversarmos um pouco sentados na calçada. Meu marido lembra do primeiro dia que chegou em casa e o pequeno rapaz barbudo o olhou e abanou o rabo.
Esse cachorrinho chegou primeiro na minha vida e anos depois na de meu marido e assim fazendo parte de minha única família. Foram muitos anos querendo o tirar logo da rua e não podendo por questões que nem venho a comentar, mas foram mais anos ainda ao lado dele sendo feliz. Aqui eu venho lembrar alguns desses momentos que fizeram esse carinha tão único.
Ele era judeu?
Para não termos o problema de ao conversar e falar sem querer a palavra "passear" e ter como resultado um cachorro maluco fora de contexto em casa, selecionamos uma palavra fora do nosso vocabulário e começamos a usar "Bar Mitzvah" no lugar de "passear". Funcionou muito bem! Ele ficava na maior alegia quando o convidávamos para um Bar Mitzvah!
E já ligando com uma celebridade judia… A música do Silvio Santos também entrou como chamada para passeio:
Agora é horaDe alegriaVamos para o Bar Mitzvah!Da rua não se leva nada!Vamos para o Bar Mitzvah!
Somos malucos mas somos felizes!
Guarda roupas exótico
Um dia compramos uma roupinha para ele que não serviu. Ficou bem apertada e parecia um maiô dos anos 50! Ele ficou todo durinho e constrangido!
Outra vez o vestimos de garrafa pet:
Fora que ele foi o único cachorro estiloso o suficiente para ter seu próprio colete de couro e moicano:
E todas as outras roupas que combinavam muito com esse cara:
E a memorável barba:
Essa barba dele já fez muito sucesso entre humanos barbudos. Durante a pandemia um chegou a tirar a máscara para mostrar como a barba deles se pareciam!
Na primeira vez que ele tosou retiraram a barba e as sobrancelhas… O cachorro pareceu irreconhecível!
Eu passei a tosar ele em casa e todas as vezes que passava pelo procedimento se matava de cócegas ao ponto de ficar deitado no chão!
Olhudo
O Preto era tão olhudo por comida (acho que todo o cachorro que veio da rua é assim) que comeu todas as formigas da casa que eu morava e do apartamento do meu marido na época que ainda éramos noivos. As formigas nunca mais voltaram! Um dia ele pulou do sofá da sala para a mesa só por ter comida e foi filmado em "vídeo cassetada", já comeu embalagem de picolé sem vermos na rua (parecia um "papa entulho"), roubou pão recém feito com ajuda de uma amiga canina no nosso apartamento e carregava sacos vazios do Mac Donald's quando passeávamos com ele na rua (morávamos bem perto de uma loja e nem dava tempo quando ele cismava em pegar). Parecia que tinha comprado lanche e estava levando para a casa!
Cachorros morrem ao comerem chocolate? Um dia ele comeu uma barra grande inteira sozinho e ganhou o apelido de Roberval! Pra quem não sabe era o cachorro ladrão de chocolate da antiga Tv Colosso.
Por falar em ser olhudo… Ele almoçava umas cinco vezes por dia na rua que morou quando ainda não era adotado. Uma de nossas vizinhas chegava a cozinhar polenta para ele, ouytros vizinhos sempre abriam o portão e o botavam para dentro em dias de churrasco, ele vivia na porta da padaria com cara de coitado ganhando salgadinhos e na porta de um bar fazendo o mesmo. O cachorro era tão olhudo que associou o barulho de fogos das festas da Praça da Freguesia com comida e sempre descia a rua correndo para garantir uma barriga cheia.
No final da vida de rua ele andava bastante com uma cachorra bem mauior que ele (nessa oto ela era jovem e veio a crescer muito mais depois) e quando eu colava comida para os dois tinha ser cada um de um lado da rua e mesmo assim o Preto ficava indo e voltando dos dois lados para ter os dois pratos para ele!
Ele chegava a faer uma dancinha bem engraçada na hora do almoço. Era muita alegria! O cara ficava emocionado quando enchíamos o pote maior dele de ração direto do saco de 10kg, se sentia numa chuva!
Cheguei a fazer uma bandana bem especial para esse fosso-sem-fundo:
Um belo dia eu estava olhando uma borboleta, fui me preparar para tirar foto dela… E o Preto a comeu!
Acho que a coisa mais absurda que ele fazia em relação a comida era cutucar a bunda de um porquinho da índia que tínhamos (Vento) para ele fazer coco e então comer o coco dele! Chamamos esse "petisco" de Pelotitos!
Famoso no bairro
O Preto foi se tornando uma celebridade pelo carisma e estar sempre de bem com todos. Quando ele foi atropelado o agressor quase foi linchado na rua e acabou se mudando por não querer prestar socorro ao bichinho por ser de rua. Meu marido adotou o Preto em seguida do tratamento que veio após o atropelamento e quando foi me visitar levando ele as pessaos paravam carro para buzinar para o Preto e cumprimentá-lo. Uma das minhas vizinhas chegou a pedir para passar uma tarde com ele na casa dela e na rua sempre perguntavam se era o Preto… Agora reconhecer eu ou o meu marido NADA! Ele devia ter se tornado vereador naquela época!
Carnaval
E ainda sobre ser super conhecido e frequentador de festas e churrascos… Teve um carnaval que fiz uma gravata bem coloridae cheia de lantejoulas para ele. O Preto sumiu exatamente todos os dias do feriado de carnaval e só voltou quando acabou. Continuava limpinho mas muito cansado. Por onde ele andou no carnaval daquela ano?
Exame de DNA
Talvez ele tenha sumido no carnaval para fazer algo que ele era parecia ser bom: herdeiros! Naquela rua tinha muito cachorro com a cabeça dele e outro corpo. Era um exército de clones! De vez em quando eu via em páginas de adoção cachorros com a cara dele e quando perguntava de onde haviam sido resgatados era quase sempre dos lugares que o Preto frequentava… Ele teve muia sorte de não pagar pensão!
Grisalho
Quando o conheci ele era todo preto com uma mancha breanca no peito… Como todo o idoso ficou totalmente diferente com idade, bsta ir comparando as fotos:
Quantos anos será que ele tem? Pelo menos 20 sabemos que sim.
Jovem novamente
No começo a irmã adotiva dele não podia nem chegar perto, depois ele ficou jovem novamente nas brincadeiras entre os dois.
Vaidoso
Eu nunca vi cachorro assim: não podia ver um espelho! Ele descia no elevador do prédio se analisando no espelho, ficava em casa deitado na frente do espelho penteando os pelos e alinhando…
Herói da enchente!
Um dia nosso apartamento encheu de água por causa de uma chuva muito forte. A água entrou por baixo da porta da sacada, pelos cantos da janela e qualquer outro lugar que pudesse. Antes de abrir a porta principal vimos que tinha água saindo por debaixo dela. Foi um susto! Ao abrir vimos o Preto passando o maior trabalho tentando tomar a maior quantidade possível de água para nos salvar da inundação! Limpavámos e ele ia junto tomando água. Foi muito xixi naquela noite!
Falante
Todo o bocejo dele era alto e engraçado. Um dia ele acordou e bocejou olhando na nossa direção com um "aaaaa não!" que é lembrado até hoje. Era bem normal ele bocejar no elevador e as demais pessoas rirem e ouvirem bem de longe.
Trotes e dinossauros
Ele era tão único que vivemos pegando no pé dele. Quando saímos de casa falávamos que ele ficava passando trote pelo interfone e acabou virando uma piada frequente mesmo que ele (talvez) nunca tenha feito isso.
O Preto acabou cismando com um dinossauro do Victor e chamamos de namorada dele. Ninguem entendia a razão da cisma, já que ele não queria nenhum outro brinquedo e nem outro dinossauro.
Alarme do trabalho
Uma coisa que ficou na nossa memória foi quando o alarme de acordar tocou e ele simplesmente levantou e saiu da cama. Ele tinha um trabalho secreto?
Rei da matilha
Se ele tinha trabalho ou não nunca vamos saber, mas enquanto ainda era um cão de rua ele passava com UMA GALERA de outros cachorros (cerca de uns 10 machos e a Mel) pelas ruas passeando a toa. Ele sempre ficava na frente e esse grupo com ele já foi visto a quilômetros de onde morávamos (uma distancia realmente estranha). Quando ele ficou em um hotel para cachorros logo fez alguns amigos lá dentro e sempre que íamos ver de madrugada eles estavam acordados andando juntos.
O cão mais inteligente e forte que conheci
Mesmo com seus mais de 20 anos de idade (qual seria sua verdadeira idade?) qualquer coisa que lhe ensinávamos ele aprendia bem depressa. Isso incluia truques, lugar novo para fazer xixi ou qualquer regra de casa. Ele também foi atropelado e sobreviveu, foi chutado, envenenado, judiado… Tinha uma radiografia cheia de fraturas cicatrizadas e ainda sim levantava, andava e ria.
Sendo inteligente
Depois de ter passado mal nessa última vez ele veio andando alguns metros comigo e com o Victor, demonstrando mais uma vez o quanto é forte. Vamos levar essa memória para sempre, foi um momento muito bom e de bastante alegria.
Cremamos, levamos as cinzas para plantar nas raízes de um pessegueiro no Passeio Público Municipal de Curitiba na área para cães. Ele teria gostado muito desse lugar.
Hoje dormi sem seu ressonar e acordei com um espaço grande vazio. Eu te amo.